A Ordem dos Advogados de Moçambique manifesta a sua satisfação com o funcionamento tempestivo do poder judicial neste processo eleitoral autárquico em curso, representando, assim, um exercício equilibrado de poderes e dissuadindo práticas que possam distorcer a democracia e a vida em sociedade, sendo, por isso mesmo, um alívio à preservação da democracia e das instituições democráticas.
Como temos vindo a defender, o poder judicial constitui o último reduto da cidadania, pois, para além de intervir por último, as suas decisões são de cumprimento obrigatório e prevalecem sobre as de outras autoridades, conforme consignado na Constituição da República de Moçambique.
No entanto, se antes não tínhamos ciência das provas dos factos relativos às diversas irregularidades do processo eleitoral autárquico, que são sempre diversas da espuma vazia das percepções, havendo apenas elevada contestação e violência que desacreditavam os resultados, hoje, não podemos deixar de manifestar o nosso profundo repúdio à forma como estas eleições foram organizadas e conduzidas, porquanto o número de decisões anulatórias dos resultados das mesas de votação e do apuramento distrital, em várias autarquias espalhadas pelo país (até pela sua abrangência territorial), revela, sem sombra para dúvidas, uma concertação prévia para viciar os resultados eleitorais, com a opacidade burocrática que caracteriza a nossa administração eleitoral.
Não obstante este cenário animador e motivador de resgate do processo eleitoral e dos princípios democráticos, alguns tribunais têm estado a impor formalidades rígidas ao processo de impugnação eleitoral, com recurso, nalgumas situações, à inversão do ónus da prova, quando se sabe que os tribunais, para além de serem elementos de racionalidade, em caso de falta de documentos credíveis dos actos eleitorais por parte do órgão eleitoral, devem dar provimento ao recurso. A justiça eleitoral é um dos pilares base da democracia, pelo que se espera maior eficácia das decisões judiciais.
Registamos, por isso, como positivas as diversas alterações ao regime eleitoral em Moçambique, desde as eleições de 1994, com a introdução do recurso das decisões da mesa de votação e do apuramento distrital junto dos Tribunais de Distrito, menos permeáveis às pressões políticas e constituídos por juízes de Direito. Esperamos que, nas próximas revisões ao regime eleitoral, não haja retrocessos decorrentes desta experiência eleitoral em curso, por muito que isso seja tentador para o poder político e para as autocracias dominantes.
Aliás, é pela mesma razão que temos defendido, com total afoiteza, que se afigura preciosa e indispensável a transformação do Conselho Constitucional em Tribunal Constitucional, operando, desta feita, como guardião dos compromissos constitucionais expressos, implícitos ou latentes que garantam a mudança efectiva de regime constitucional, de 1975 para 1990, reforçada em 2004, e ainda o alargamento das pessoas que podem provocar a sua reacção, como é o caso da Ordem dos Advogados de Moçambique, para a consolidação dos direitos fundamentais e de cidadania. Este é o caminho que devemos percorrer, para a consolidação e, sobretudo, defesa do Estado de Direito Democrático.
Para que não se voltem a repetir estes casos de manipulação de resultados, a Ordem dos Advogados de Moçambique espera e vai monitorar a actuação do Ministério Público na investigação dos autores materiais e morais dos crimes eleitorais denunciados pelos Tribunais Distritais, evitando-se a perpetuação de uma cultura de tolerância e desculpabilização social destas práticas há muito tempo enraizadas na nossa sociedade e com prejuízos para a consolidação da democracia.
Por fim, entendemos que o Presidente da Comissão Nacional de Eleições e toda a sua equipa não têm condições para se manterem no mandato, depois de todo este imbróglio que se desencadeou e que colheu tão pouco agrado da sociedade, até porque a vontade popular e a transparência eleitoral não são transaccionáveis.
Como Ordem dos Advogados e dentro das suas atribuições estatutárias, vai continuar a acompanhar este processo eleitoral e suas incidências, denunciando todos os comportamentos que ponham em causa os valores mais altos da democracia e coloquem em perigo o Estado de Direito Democrático. Não nos pretendemos substituir, nas nossas atribuições, a terceiras entidades, designadamente aos órgãos que, nesta fase, cumpre decidir em conformidade relativamente às irregularidades (e seus efeitos) que se lhes são apresentadas.
Porque se vislumbram períodos de muita pressão política (e não só) sobre os mais diversos intervenientes deste processo eleitoral, a Ordem dos Advogados de Moçambique, naquilo que estiver dentro do quadro das suas atribuições, manifesta a sua inteira disposição para apoiar quem da mesma precise, de forma a garantir que esses intervenientes actuem sem qualquer reserva relativamente ao cumprimento e salvaguarda das suas prerrogativas legais. Está-se num momento democrático que não pode conhecer retrocessos, pelo que são chamadas todas as forças vivas da sociedade para o cumprimento dos seus deveres legais, cívicos e políticos, no quadro constitucional vigente, incluindo a convocação do Conselho de Estado por Sua Exa. Senhor Presidente da República. O país precisa de estabilidade e é tempo de apostar no interesse colectivo, em detrimento do individual.
Por uma Advocacia Ética, de Qualidade e Moderna, ao Serviço da Sociedade
Maputo, 19 de Outubro de 2023
O Bastonário da OAM
Carlos Martins