Mensagem alusiva ao dia da família e transição do ano
Celebramos o dia da família num momento de grande incerteza e profunda provação colectiva. A morte de nossos concidadãos, o sofrimento das famílias moçambicanas e as que acolhemos, a miséria de uma franja muito significativa da nossa população e a destruição de infraestruturas sociais públicas e privadas relevantes, desafiam a nossa consciência, nestes dias em que qualquer luz nos parece escura e a esperança sem qualquer futuro.
Quando se deixa de proteger a Democracia, o Estado e a Constituição passa a valer tudo, porque já não existem valores para serem respeitados, passando a existir um punhado de nada, onde nada cresce, floresce e se desenvolve. A pilhagem de bens públicos e privados que assistimos, sob o olhar inerte das forças de defesa e segurança, a fuga de prisioneiros da Cadeia da Machava, a recuperação de alguns e a chacina que se seguiu de alguns desses prisioneiros capturados, injustificada tendo em conta que já se encontravam nas mãos e sob o domínio das autoridades, numa actuação propositadamente criminosa, revelam, nessa injustificada forma de actuar, repugnante, uma sociedade doente, em que as lideranças perderam totalmente a autoridade. No estado em que as coisas se encontram, Moçambique caminha a passos largos para a institucionalização da anarquia, do medo colectivo e de pequenos poderes privados radicalizados, quando se sabe e não pode ser ignorado que num Estado de Direito os fins não justificam os meios. Não mesmo.
Temos conjuntamente que resgatar a ética e a transparência pública como factores indispensáveis e incontornáveis da confiança dos cidadãos nas instituições republicanas, mas sobretudo para a salvaguarda do supremo interesse nacional. Para o efeito, precisamos de lideranças lúcidas e uma sociedade de alma e espírito comprometido com as mudanças que esta nova era exige e trás consigo. Não podemos aceitar o que se pode mudar.
Temos de ter a oportunidade de abrir um novo ciclo, que ofereça oportunidades para todos. Uma sociedade de oportunidades só pode ser alcançada com tolerância, liberdade para todos e altamente aberta à crítica. Quem pensa diferente não poder ser tratado “como inimigo da sociedade”. Como assina-la Eduardo Galiano, “a sociedade tolerante verdadeiramente existente” favorece cada vez que a democracia ameaça “sair do controlo”. Ninguém, mas ninguém mesmo, deve ficar na margem das oportunidades e do direito à opinião, por não fazer parte de nenhuma formação política ou dos poderes instituídos, porquanto, todos têm o direito e a liberdade de seguir as suas vidas como bem entendem, ficando claro que lealdade e fidelidade são conceitos diferentes, mas nunca devem se dissociar da verdade.
Aos colegas Advogados e Advogados Estagiários pesa uma enorme responsabilidade na normalização da sociedade, pois fazem parte das mentes brilhantes desta nação, cuja actividade é essencial à administração da justiça, factor de pacificação social. Lembrem-se, está nas vossas mãos a reabilitação da identidade social da sociedade. As vossas qualidades humanas e pessoais são mais importantes, nestes tempos desafiantes, que as qualidades técnicas, lembrando o valor do contraditório e da capacidade de escutar, e de que todo o caminho, por mais tortuoso que se mostre, apresenta sempre saídas. O custo da cidadania é sempre muito alto, por isso não se pode ter medo de lutar contra as injustiças.
É tempo de se parar e pensar o que se quer deste País. Temos de acreditar na grandeza da nossa Nação e do seu Povo, para ultrapassarmos o momento actual. Temos de abandonar a presunção de um destino inglório, no espírito e na esperança. Devemos apostar activamente num processo de renovação dos nossos valores, crenças e objectivos colectivos e individuais, que nos conduzam à justiça social, mas sobretudo, ao bem estar de todos. Nada é mais fatal que o descrédito colectivo.
Apesar destes momentos complicados e delicados que vivemos, desejamos um dia da família e transição de ano possíveis aos Advogados, Advogados Estagiários e a toda sociedade Moçambicana, na convicção de que sejam curadas as feridas e se abra um futuro de esperança, tendo como epicentro os verdadeiros anseios do nosso povo. O Diálogo, dentro e fora da família, é um contributo essencial para a pacificação e aceitação das diferenças dos moçambicanos. É impossível desejar-se a pacificação sem que haja um diálogo genuíno e com cedências alicerçadas no respeito das nossas diferenças. Não nos esqueçamos que o Arco Íris é feito essencialmente de diferenças. E se não fossem essas diferenças ele não seria tão belo.
Uma menção especial vai igualmente para os colegas Advogados e Advogados Estagiários que, prescindido do convívio familiar, têm estado a dedicar o seu tempo no acompanhamento de vários processos que correm nas diversas instituições de administração justiça, por conta do actual momento que atravessamos, em todo o país, com vista à salvaguarda e monitoria dos direitos humanos. Este sentido de compromisso honra a Ordem dos Advogados de Moçambique e a profissão que abraçaram. Bem hajam.
Terminamos fazendo uma pequena referência a Santo Agostinho quando refere: “Fizeste-me, Senhor, para Ti, e o meu coração não descansa enquanto não repousar em Ti”.
Auguramos pela segurança de todos e esperamos que as mentes dos bons se iluminem.
Por uma Advocacia Ética, de Qualidade e Moderna, ao Serviço da Sociedade
Maputo, 25 de Dezembro de 2024
O Bastonário da OAM
Carlos Martins
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