Posição da Ordem dos Advogados sobre o processo de votação e contagem de votos nas eleições gerais de 9 de Outubro de 2024
A Ordem dos Advogados de Moçambique observou o processo de votação e contagem dos votos nas mesas de votação referente às eleições gerais de 9 de Outubro de 2024, para a eleição do Presidente da República, dos membros da Assembleia da República e para os Governadores de Província e respectivas Assembleias Provinciais.
De forma geral e pela observação feita, podemos afirmar que o processo de votação e contagem dos votos na mesa de votação decorreu com notável civismo e de forma pacífica e patriótica, sem grande interferência policial, muito embora se tenham verificado algumas irregularidades.
Entretanto, se estas fases do processo foram mais pacíficas, o mesmo não se pode afirmar do que se seguiu, com os editais afixados e muito menos dos números parciais de votação divulgados quer pelas Comissões Distritais de Eleições quer pelas Comissões Provinciais de Eleições, cobertos de opacidade, o que não favorece uma eleição transparente, em obediência às regras da democracia, pelas quais o povo votou, numa manifestação de dimensão política plena e ao abrigo dos direitos constitucionais vigentes.
Os processos de votação só podem ser considerados transparentes e efectivos quando os eleitores percebem o sistema de votação e o destino do seu voto. A falta de transparência na divulgação dos editais pela Comissão Nacional de Eleições é geradora de fundadas suspeições no que respeita à efectiva integridade do processo eleitoral. Para que seja afastado todo o manto de opacidade até aqui observado pelos concorrentes, observadores eleitorais e jornalistas, se faz mister a publicação de todas as actas, sem excepção, de apuramento e editais por locais de votação, para a garantia de total transparência e isenção que deve caracterizar um processo eleitoral.
Estas eleições vêm demonstrar, uma vez mais, e de forma desoladora, que temos desafios gigantescos na consolidação da nossa jovem democracia representativa, em várias dimensões, a saber:
- A gestão do processo eleitoral deve gozar de legitimidade, o que pressupõe aceitação pela sociedade. Não se pode afirmar que algum Moçambicano hoje, independentemente da sua filiação partidária, confia nos órgãos de gestão eleitoral, ou seja, na Comissão Nacional de Eleições e no seu braço operacional que é o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, o que gera constantes tensões políticas que descambam, quase sempre, em movimentos de desestabilização;
- O modelo de partidarização destes órgãos de administração eleitoral, cuja origem é o protocolo III do AGP – Acordo Geral de Paz de Roma, está esgotado. Em bom rigor, a democracia moçambicana são os MMVs – Membros das Mesas de Votação e não o povo, os cidadãos. E a partidarização, na verdade, começa mesmo nas assembleias de voto.
- A falta de democracia interna dentro dos partidos políticos, todos eles, sem expceção, não contribui para a consolidação de um regime democrático efectivo, pois é lá onde se assumem compromissos que depois se reflectem nas políticas da nação. Se dentro dos partidos não há democracia e nem se cultivam os valores democráticos, mas apenas se acomodam interesses com vista à obtenção de determinados resultados que apenas beneficiam pessoas e/ou grupos, pouco se pode esperar do processo democrático do país, pois apenas os interesses individuais prevalecem;
- Ausência de instituições modeladoras e de contrabalanço na sociedade, geradoras de confiança no sistema de justiça eleitoral. O Conselho Constitucional não consegue desempenhar este papel, não porque é um órgão de composição partidarizada, mas porque as suas decisões não reflectem, na substância, qualquer sentido de justiça e equilíbrio.
Não era expectável que 30 anos depois da introdução do multipartidarismo ainda estivéssemos a discutir enchimento de urnas, rasuras de editais, editais falsos, número de eleitores e votos acima dos inscritos na mesa de votação, e outras irregularidades eleitorais básicas. Tudo isto é mais grave perante o silêncio total dos órgãos de administração eleitoral, o que descredibiliza e mancha todo o processo eleitoral.
Quem nos vai levar a sério, com toda esta opacidade? Os Estados Unidos da América não perseguiu e julgou o nosso ex-Ministro de Estado das Finanças Manuel Chang apenas porque ele defraudou investidores ou usou indevidamente o sistema bancário americano, mas porque não acreditava na nossa seriedade em julgar e condenar Manuel Chang, se assim se justificasse. A comunidade internacional não dá qualquer crédito às nossas instituições, enquanto estivermos distantes da seriedade e comprometidos com os critérios exigentes da Justiça.
Num processo eleitoral, conflituante por natureza, é altruísta pensar que a igualdade política pode ser materializável na prática. Este não é um problema moral, mas epistemológico, mas a credibilidade das instituições e da nação devem prevalecer sobre qualquer outro interesse. É o Estado que está em jogo. Só o poder judicial, que está na relativa disponibilidade de todos, pode, com independência e equidistância, contribuir para a credibilidade do processo eleitoral, enquanto direito fundamental, não sendo o incitamento ou o escalar da violência o caminho para a reivindicação democrática, antes pelo contrário.
Nesta medida, a Ordem dos Advogados de Moçambique, dentro das suas atribuições estatutárias de defesa do Estado de Direito Democrático, desafia e insta mesmo a Comissão Nacional de Eleições a publicar todas as actas de apuramento na mesa, parcial, intermédio e geral, para afastar toda a opacidade presente no apuramento dos votos. Isto contribuirá para a credibilidade do processo eleitoral e legitimação democrática dos eleitos. De contrário, a nossa seriedade estará na lama.
Por fim, os órgãos a saírem destas eleições, em particular o Presidente da República e a Assembleia da República, devem iniciar de imediato um processo de reformas do nosso sistema eleitoral, com enfoque na profissionalização. Nisso, devem ser envolvidas todas as forças vivas da sociedade, incluindo os partidos políticos, as academias, a sociedade civil, as agremiações socioprofissionais, e outras sensibilidades. Reiteramos a disponibilidade da OAM em assumir a liderança deste processo, se os actores relevantes assim o entenderem.
Por uma Advocacia Ética, de Qualidade e Moderna, ao Serviço da Sociedade
Maputo, 18 de Outubro de 2024
O Bastonário da OAM
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Carlos Martins
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