OAM

Ilustres Colegas Advogados e Advogados Estagiários,

O Conselho Nacional da Ordem dos Advogados de Moçambique comunica à Classe que propôs e fez seguir contra Sua Exa. o Senhor Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, um Processo Contencioso De Impugnação De Normas relativamente ao Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, que regula o exercício das funções notariais por advogados. Anteriormente à propositura do referido processo, tivemos encontros e expedimos uma carta (incluindo para Sua Exa. o Senhor Primeiro Ministro) alertando sobre as ilegalidades e incongruências surpreendidas no Diploma em causa, sem avanços, pelo que o único meio ao alcance da Ordem dos Advogados de Moçambique, para a reposição da legalidade, é o recurso à tutela Judicial Contenciosa.

Na verdade, o expediente processual de que se lançou mão serve o propósito de desaplicação e, ademais, de declaração da ilegalidade, de normas regulamentares imediatamente operativas, que produzam os seus efeitos de forma imediata, sem dependência de um acto administrativo ou judicial de aplicação. É que o art. 3.º do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, é omisso quanto à indicação da entidade competente para licenciar os Advogados para o exercício específico das funções notariais consignadas no art. 3.º, n.º 1, al. g) do referido diploma legal, estabelecendo, apenas, no seu n.º 2 que “Compete aos Ministros que superintendem as Áreas dos Registos e Notariado e do Interior, por despacho conjunto autorizar as Esquadras da Polícia da República de Moçambique a desempenharem funções notariais”.

Não há lei habilitante que autoriza ou indica que Sua Exa. o Senhor Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos é a entidade competente para licenciar os Advogados para o exercício específico das funções notariais consignadas no art. 3.º n.º 1, al. g), do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, gerando, com efeito, a ilegalidade do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, que se afere face ao próprio diploma que visa regulamentar – no caso o Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto  –, não existindo qualquer outro diploma de grau hierárquico superior que regula sobre a matéria.

Também não há lei habilitante que autoriza Sua Exa. o Senhor Ministro da Justica, Assuntos Constitucionais e Religiosos a fixar os seguintes requisitos, para efeitos de licenciamento de Advogados para o exercício específico das funções notariais (no art. 3.º n.º 1, al. g), do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto), como sejam: a) domicílio profissional do conhecimento da Ordem dos Advogados de Moçambique; b) não ter cadastro criminal; c) mínimo de 8 anos de experiência na advocacia; d) idoneidade a ser certificada pela Ordem dos Advogados de Moçambique; e) situação financeira regularizada; e, f) apresentação da assinatura e carimbo a ser usado para a certificação, como previsto ilegalmente no art. 3.º n.º 2, do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro.

Aliás, ao abrigo do art. 3º da Lei de Autorização Legislativa n.º 2/2023, de 24 de Março, a Assembleia da República atribuiu poderes ao Governo para legislar sobre: “a) a simplificação dos actos notariais, passando as esquadras de polícia a certificar os actos notariais mais simples de forma gratuita para o cidadão; b) a autorização dos advogados com carteira profissional a certificar os actos notariais mais complexos”, sendo certo que a função notarial, órgãos especiais e atribuições dos notários (tipos de actos) são fixados por lei, no caso pelo Decreto – Lei n.º 4/2006, de 23 de Agosto, mais concretamente nos seus arts. 2.º, 3.º e 5.º. Se assim é,

 Cabia ao Governo, por via da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República (Lei n.º 2/2023, de 24 de Março), determinar (no Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto) quais os actos notariais que os advogados estão autorizados a praticar, não cabendo na esfera de Sua Exa. o Senhor Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos as atribuições para a sua regulação, como acabou por fazer no art. 2.º do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, estabelecendo que “Os actos notariais complexos a serem praticados pelos advogados com carteira profissional são: a) as procurações forenses; b) as procurações de simples poderes de administração de bens móveis e imóveis; c) as actas das reuniões das associações, fundações e sociedades comerciais; d) os contratos promessa desde que não lhes seja atribuída a eficácia real; e, e) os contratos de arrendamentos”.

Conclui-se, assim, do cotejo acabado de fazer acima, que os arts. 2.º n.º 2,  als. a), b), c), d) e e), 3.º n.º 2, als. a), b), c), d), e) e f) e 4.º n.º 1, todos do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, não obedecem inteiramente a disciplina contida no Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, não sendo, no que respeita à prática de actos notariais por advogados, o mencionado Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, regulamento delegado ou autorizado.

Verifica-se, por conseguinte, a violação do princípio da legalidade, da reserva da lei e usurpação de poderes, sendo, por isso, que a Ordem dos Advogados de Moçambique recorreu à tutela judicial para ver declarada a ilegalidade das normas supra indicadas e contidas no diploma ministerial em crise. Aliás, este diploma ministerial é omisso quanto à tutela sancionatória e pouco desenvolvido quanto à tutela inspectiva/fiscalizadora, criando, assim, insegurança jurídica.

Entendemos mesmo que o Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, é uma total afronta à iniciativa Presidencial, que gerou a aprovação do Pacote de Medidas de Aceleração Económica – PAE (20 medidas), com o objectivo de imprimir “…reformas que visam a retoma da aceleração económica… …com perspectivas de resultados a curto e médio prazo criando a fundação de um mudança de paradoxo no desenvolvimento de Moçambique que irá impactar a vida dos Moçambicanos por gerações”. A vontade Presidencial, acertada diga-se, não foi respeitada, mesmo relativamente à categorização dos actos notariais permitidos aos Advogados, que de complexos nada têm.

A Ordem dos Advogados de Moçambique, como é seu apanágio, está sempre disponível para o debate e aprimoramento das nossas leis, regulamentos e outros instrumentos e instituições, com espírito e ideologia no interesse público. Como sempre repetimos, a vida é plural e ninguém tem o monopólio da verdade, mas devemos nos permitir a diálogos abertos e sem pretensões de sermos o vértice do Mundo. A participação dos administrados na formação das decisões que lhes disserem respeito não pode ser um chavão, deve ser concretizado com actos e vontade da Administração Pública, evitando-se actos aparentes, sem reflexo na vida dos seus destinatários.

Continuaremos a bater-nos pela defesa intransigente dos interesses legítimos da Classe, sem pretensões de sermos maiores que os outros, mas não consentiremos ser menores. Privilegiamos o diálogo construtivo e aberto, mesmo na divergência, e esta continuará a ser a nossa postura. Até breve, com novos desenvolvimentos.

Por uma Advocacia Ética, de Qualidade e Moderna, ao Serviço da Sociedade

Maputo, 15 de Janeiro de 2024

O Bastonário da OAM

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Carlos Martins